sábado, novembro 21, 2009

ENTREVISTA

Recordo aqui uma entrevista que o Jorge Ferreira me concedeu em Setembro de 2004.



[ Pergunta ] Por que razão escolheu Direito a nível de formação académica?
[ Resposta] Porque era o curso mais próximo de ciência política, ao qual na altura não pude aceder. De resto, a minha preferência inicial ditou que gostasse sempre mais de direito público do que de direito privado.

Quando é que nasceu a paixão pela política?
Com o eclodir do 25 de Abril, tinha eu 12 anos. O país inteiro despertou para a política e os liceus não foram excepção. O combate político e ideológico invadiu todos os níveis da vida social e das instituições. Os partidos criaram organizações de juventude que se instalaram nas escolas. Ninguém ficava indiferente. A tentação totalitária do Partido Comunista e da extrema-esquerda mobilizou a juventude para uma militância que em normalidade democrática é muito difícil conseguir.

Pacto de Estabilidade e Crescimento, para cumprir?
Uns têm de cumprir, outros não. É a Europa das conveniências, onde uns são mais iguais que outros. Quem sou eu para desmentir o Sr. Prodi que lhe chamou “estúpido”? O verdadeiro problema é que os Estados mantêm défices ocultos para se conterem nos limites do Pacto e não terem que se sujeitar às sanções da Comissão. Daí que a economia europeia seja artificial, em que a economia paralela começa no próprio Estado.

Como se pode combater o estado de depressão dos portugueses?
Com um Governo competente, coisa que não temos tido desde que esta coligação sem alma, sem projecto e que apenas tem a natureza de um arranjinho está no poder. E com uma profunda reforma do sistema político que credibilize a política e mobilize a esperança e a confiança dos cidadãos. Os cidadãos desistiram de lutar porque não acreditam nas instituições de referência do Estado. Infelizmente os decisores políticos não estão à altura nem têm a autoridade política suficiente para restabelecer essa confiança dramaticamente abalada.

Estarão os portugueses de costas voltadas para a classe política?
Estão. Cada vez votam menos e os que votam não o fazem para escolher um, mas apenas para evitar alguns. O que é lamentável e perigoso.

Como avalia a actuação da oposição “parlamentar” em Portugal?
Não há oposição, mas sim oposições. A do PCP é igual a si própria. A do Bloco, espalhafatosa, inconsequente, ideologicamente perigosa, mas mediaticamente eficaz. A do PS tem dias, embora ultimamente esteja irremediavelmente afectada pelo facto de estar sem líder.

PSD/CDS: coligação “sincera” ou por “força das circunstâncias”?
Um arranjo, como já disse. Não é um projecto, é um expediente. Se não fosse assim, a coligação teria concorrido às eleições. É certo que a formação de coligações pós-eleitorais é possível e é legal. Mas constitui um certo desvirtuamento da vontade dos eleitores, que acabam por ser governados por uma força que ninguém escolheu, pela simples razão de que não concorreu. A não ser que antes das eleições os partidos tornem calara a sua política de alianças, o que não fazem porque julgam que isso os enfraquece.

Existe o risco do CDS-PP ser “engolido” pelo PSD?
É problema que já não me diz respeito. Penso que é claro há muito tempo que existe um projecto inconfessado de fusão por parte de algumas pessoas. No PPE já estão juntos. No Governo também. Para quê manter a despesa de ter duas casas?

Esquerda e direita: ainda se justifica a dicotomia?
Justifica, embora já não seja a única distinção relevante para tomar uma decisão política e eleitoral. Para as gerações mais velhas essa distinção ainda pesa muito. A política também é memória. De lutas, de tradições, de disputas antigas e de raízes ideológicas. Mas hoje as sociedades democráticas modernas estão confrontadas com problemas que essa dicotomia já não chega para resolver. Ela continua a existir mas já não é a única chave da conflitualidade política e social. É especialmente flagrante que certos fenómenos das sociedades modernas baralham a dicotomia tradicional. Por exemplo existe corrupção à direita e à esquerda. Pode existir falta de ética no exercício do poder em ambos os lados.
Além de que a história também confunde. Basta lembrarmo-nos como a seguir à II Guerra Mundial a esquerda apoiou a criação do Estado de Israel e a direita alimentava uma simpatia cúmplice para com o mundo muçulmano…O primeiro país a reconhecer Israel foi a URSS e “O Avante” da altura saudou o novo país como uma vitória contra as monarquias feudais e reaccionárias. Por aqui se vê a relatividade destes conceitos.


Um partido abafa a intervenção individual?
Depende dos partidos e dos indivíduos...

Qual a grande contribuição que a Nova Democracia pode dar a Portugal?
Pode mostrar que é possível existirem partidos com formas de funcionamento diferentes dos outros e que se preocupem com os problemas do país e das pessoas sem preconceitos. Portugal precisa de quem ponha os dedos nas feridas, que abane o status quo podre em que está mergulhado ao nível das suas instituições fundamentais e que encontre razões para voltar a acreditar em si próprio.

Quem gostaria de ver suceder a Jorge Sampaio no Palácio de Belém?
Alguém que não tivesse uma interpretação restritiva dos poderes presidenciais e que não tivesse receio de os usar. Mesmo para quem não defende um sistema presidencial o papel de moderador do Presidente pode ser de duas naturezas: moderação passiva e moderação activa. A primeira tem o seu expoente no actual Presidente. A segunda teve-o em Mário Soares. Um Presidente não pode ter medo de usar os seus poderes. Se assim for não cumpre o seu papel constitucional.

Qual a sua opinião, sinteticamente sobre:

Sá Carneiro?
Um estadista prematuramente desaparecido, em circunstâncias cuja investigação constitui uma vergonha nacional, e que podia ter dado muito mais a Portugal.

Mário Soares?
Uma personalidade dotada de um raro instinto político, de uma combatividade excepcional e que marca indelevelmente a fundação do regime democrático.

Cavaco Silva?
Marcou para o bem e para o mal o seu tempo. Fez muitas coisas boas. E outras más. Exemplo das primeiras: o desenvolvimento dos equipamentos colectivos e das infra-estruturas. Exemplo das más: o clientelismo no Estado e a forma como conduziu as privatizações.

Durão Barroso?
Um sobrevivente, que julga que resolve adiando e saltitando. A forma como saltitou para Bruxelas revela pouco escrúpulo político.

Santana Lopes?
A virtude da combatividade. O defeito de não ter um pensamento político estruturado que guie a sua acção governativa.

Paulo Portas?
Um especialista de opiniões, sem ideias e que muda as opiniões de acordo com o interesse de ocasião. Exemplo do que de pior o sistema tem e que tem conduzido ao divórcio entre os cidadãos e a política. Não é para levar a sério.

António Champalimaud?
Uma personalidade complexa que merecia ser estudada.

Manuel Monteiro?
Um político de causas e de coragem, que já mostrou não se vender ao sistema por mais que o sistema o tente comprar.

Qual a sua figura política de referência? E histórica?
Existem várias personalidades históricas que em determinado momento nos fascinam. Sá Carneiro, Freitas do Amaral, Bush pai, Reagan, Tatcher, Gorbatchov. Cada um por razões diferentes em ciclos diversos do respectivo percurso. Dos líderes políticos no activo, nenhum.

Como ocupa os seus tempos livres?
Com a família, com a leitura compulsiva de jornais e de livros, ouvindo música.

Benfica: paixão ou razão?
Paixão, sem complexos. Mas também sem fanatismo.

Qual o último filme que viu no cinema?
Ah!Ah! O Homem Aranha com o meu filho…

E que livro está a ler?
Sempre vários: a história dos Médicis, poesia de Miguel Torga, monografias sobre Lisboa, a reler David Mourão Ferreira e Eça, tendo acabado já a releitura de O Primo Basílio e a leitura do estimulante Código Da Vinci.

Costuma navegar na net? E na blogosfera?
Costumo. Embora defenda que é muito perigoso pensar-se que a navegação substitui a leitura e a investigação, como pensam as gerações mais novas. Na blogosfera também, embora cada vez mais selectivo.

Tem um blogue?
Tenho dois: O Tomarpartido e o Olissipo dão-me algum trabalho, mas um imenso gozo.

Qual a sua opinião em relação aos blogues?
Há bons e maus. É um fenómeno comunicacional de uma força impressionante. É uma redescoberta da liberdade de comunicação. No fundo é uma concretização do sonho de fazermos o nosso jornal. E, obviamente, também do sonho de ser lido.



Até sempre, Jorge!